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Como a construção civil brasileira enfrenta o “novo normal” – custos elevados, juros altos, inovação acelerada e políticas públicas em movimento

Em 2025, o setor da construção civil brasileiro vive um cenário de tensão: apesar de demanda ainda significativa por moradia e obras, os custos de materiais, equipamentos e mão de obra seguem em patamar elevado, e o custo de financiamento ainda pesa sobre lançamentos e incorporações. Neste contexto, empresas do setor começam a mudar de estratégia: aceleram a adoção de tecnologias digitais, industrialização e métodos construtivos mais eficientes, enquanto o governo federal lança um novo programa habitacional voltado para reformas e ampliações – o Reforma Casa Brasil – para apoiar a cadeia. O resultado é que o setor está em mutação: para quem se adaptar, há oportunidades; para quem não, o risco de ser deixado para trás cresce.


1. Panorama de custos e financiamento: aperto real

Os dados mais recentes mostram que os custos de construção seguem elevados. Por exemplo, o INCC‑M (Índice Nacional de Custo da Construção – Mercado) registrou variação acumulada em 12 meses de 7,32% em março de 2025, mesmo após uma desaceleração no mês (-0,38% em março) em relação ao mês anterior. FGV Portal+2ABRAINC
Em agosto de 2025, por sua vez, o índice acumulado alcançou 7,49% em 12 meses. ConVisão CNC
Esses números indicam que, embora o ritmo mensal possa oscilar, os custos permanecem significativamente acima do que se via alguns anos atrás (em março de 2024, o acumulado era de cerca de 3,29%). Construa Negócios+1

Esses aumentos são puxados por diversos fatores, entre eles:

  • reajustes em convenções coletivas no segmento de mão de obra, que impactam de forma relevante o custo final da obra. CBIC+1
  • custo de insumos como aço, cimento, agregados e materiais elétricos, ainda sujeitos a volatilidade. Embora nem todos os componentes estejam subindo no mesmo ritmo, o contexto de alta normatizada persiste.
  • financiamento mais caro e mais cautela por parte dos agentes da cadeia: com juros elevados, incorporadoras e construtoras têm menor margem para erro e maior risco financeiro. Mesmo que o dado exato da taxa média de financiamento para construção/residencial não esteja plenamente consolidado, o setor reconhece juros como entrave relevante.

Na prática, esse aperto de custos + financiamento significa que os orçamentos de obras ficam mais delicados. Se houver imprevistos, atrasos ou problemas de fornecimento, a margem de segurança das empresas é menor — o que gera maior risco de estouro de custo ou atraso de entrega.


2. Mercado e demanda: oportunidade com cautela

Embora os custos e os riscos estejam elevados, a demanda por moradia e obras de construção ainda não se apagou. Em capitais e grandes áreas metropolitanas, há sinais de que o mercado imobiliário residencial continua ativo, com intenção de compra forte e lançamentos em curso.

No entanto, o contexto exige mais cautela: o financiamento imobiliário ficou mais caro e seletivo, o que pode reduzir a velocidade de vendas ou exigir maior desconto/incentivo por parte das incorporadoras. Esse “gap” entre demanda persistente + custo pressionado exige que empresas repensem o ritmo de lançamentos, a localização, o padrão e a forma de entrega do produto.

Para edificadoras e construtoras, isso significa: não basta apenas “lançar” — é necessário que o produto atenda ao perfil do comprador (custo x benefício), que o cronograma seja realista e que a cadeia esteja preparada para entregar no prazo com qualidade.


3. Respostas da indústria: inovação, digitalização e industrialização

Diante do aperto de custos e financiamento, o setor está reagindo com mudanças estruturais. Três frentes principais se destacam:

a) Digitalização / BIM / Construção 4.0
O uso da metodologia BIM (Modelagem de Informação da Construção) está cada vez mais presente como ferramenta estratégica para aumentar produtividade, reduzir erros, retrabalho e desperdício. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) reforçou que o BIM já é uma ferramenta central para transformar o setor e aumentar competitividade. CBIC
Além disso, o governo, por meio do Nova Estratégia BIM BR, vinculada ao Nova Indústria Brasil, está promovendo planos de capacitação, laboratórios em universidades e aplicação em obras públicas para impulsionar o uso da tecnologia no país. Serviços e Informações do Brasil
Por fim, os eventos e estudos apontam que o setor já está apostando no BIM como caminho para ganhos reais de eficiência. Construa Negócios+1

b) Industrialização e sistemas construtivos pré-fabricados
Outro movimento importante é a adoção mais intensa da industrialização da construção — ou seja, modulação, pré-fabricação, montagem “off-site” e métodos que reduzam o trabalho no canteiro. A sondagem mais recente indica que cerca de 64,5% das obras no país já incorporam algum sistema industrializado. Modern Construction Show
Em particular, a construção modular, o uso de estruturas metálicas e fábricas de pré-moldados vêm sendo apontados como caminhos para encurtar prazos, reduzir desperdício e tornar as obras mais sustentáveis. CBIC
Este movimento ajuda a mitigar alguns dos efeitos negativos da escassez ou custo elevado da mão-de-obra direta no canteiro, além de permitir maior previsibilidade de custos e prazo.

c) Sustentabilidade e economia circular
Embora menos visível em manchetes cotidianas, o setor também está incorporando práticas de construção mais sustentável — seja por meio de materiais de menor impacto ambiental, seja pela adoção de processos que permitam menor consumo de energia, reutilização ou modularidade que facilita desmontagem e reuso. A digitalização via BIM e a industrialização ajudam a viabilizar essa transição.


4. Políticas públicas recentes: o programa Reforma Casa Brasil

Uma das peças mais recentes da política pública para o setor da construção é o lançamento do programa Reforma Casa Brasil, pelo governo federal. ABRAINC+3Serviços e Informações do Brasil+3Agência Gov
Principais características do programa:

  • Total de R$ 40 bilhões em crédito facilitado: R$ 30 bi do Fundo Social do Pré-Sal para famílias com renda até R$ 9.600 mensais; R$ 10 bi via Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) para rendas superiores. Serviços e Informações do Brasil
  • Público-alvo primário: famílias em áreas urbanas, com imóvel existente, que necessitam de reformas, ampliações ou adequações — por exemplo, instalação de banheiro, ampliação de cômodo, troca de piso, entre outros. Caixa Econômica Federal
  • Operacionalização via CAIXA Econômica Federal, com processo digital e simplificado, sem necessidade de comparecimento físico em agência (no primeiro momento) — a previsão é que o programa entre em operação em 3 de novembro de 2025. Serviços e Informações do Brasil
  • Taxas de juros e prazos definidos para as faixas iniciais: por exemplo, faixa de renda até R$ 3.200 terá taxa a partir de 1,17% ao mês; faixa entre R$ 3.200,01 e R$ 9.600 terá 1,95% ao mês. Para rendas maiores, condições definidas pela CAIXA. Agência Gov

Impacto esperado

  • A medida pode gerar um impulso imediato à cadeia da construção e reforma, especialmente nos segmentos de menor escala (micro e pequenas obras) — o que ajuda a mitigar parcialmente o ciclo longo de grandes lançamentos residenciais ou de infraestrutura.
  • Permite que famílias melhorem suas moradias existentes, o que contribui para redução do déficit habitacional e melhoria da qualidade de vida — ao mesmo tempo que movimenta empreiteiros, fornecedores de materiais, instaladores etc.
  • Para o setor da construção, representa uma oportunidade de mercado menos dependente de lançamentos residenciais tradicionais, com risco menor de inadimplência ou “não venda” pré-lançamento, pois muitas obras referem-se a reformas e não à construção “do zero”.

Desafio de implementação
Entretanto, para que o programa atinja seu potencial pleno, será necessário que o acesso ao crédito seja realmente rápido, que a cadeia local de prestadores e fornecedores possa absorver a demanda de forma qualificada, e que os materiais/serviços estejam disponíveis em todo o país — o que pode exigir logística organizada, além de mecanismos de fiscalização/qualidade para evitar problemas.


5. Riscos e oportunidades para o setor

Riscos principais:

  • A volatilidade no preço dos insumos (cimento, aço, agregados, materiais elétricos/hidráulicos) permanece como risco latente, especialmente se houver choque externo (commodities, câmbio ou transporte).
  • Prazos mais longos de execução ou atrasos podem corroer margens, especialmente num contexto de custos elevados e financiamento caro.
  • O ciclo de crédito pode se deteriorar se houver instabilidade econômica ou política, o que reduziria lançamentos e vendas.
  • A adoção de novas tecnologias/industrialização requer investimento inicial e mudança de cultura — empresas que insistirem em modelos antigos podem perder competitividade.

Oportunidades mais evidentes:

  • Empresas que acelerarem a industrialização (pré-fabricação, modularização) tendem a ter maior previsibilidade de custos e prazos, e menor dependência de mão-de-obra intensiva no canteiro.
  • A digitalização (BIM, gestão em tempo real, drones, IoT) abre caminho para redução de desperdício, retrabalho e maiores margens de lucro.
  • O mercado de reformas, estímulos públicos como o Reforma Casa Brasil, cresce como segmento complementar ao mercado tradicional de lançamentos — boas chances para empreiteiros, fornecedores de materiais de acabamento e instalação.
  • As empresas que integrarem práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) — como eficiência energética, materiais sustentáveis, segurança no trabalho — poderão ter acesso a melhores linhas de crédito e atrair investidores mais exigentes em governança.

6. Recomendações práticas para curto e médio prazo

Para quem atua na construção civil — seja incorporadora, construtora, pequeno empreiteiro ou fornecedor — seguem algumas recomendações práticas à luz do cenário atual:

  1. Revisar orçamentos com múltiplos cenários
    Monte três cenários (otimista, realista, pessimista) para custos e prazos, e incorpore no contrato cláusulas de reajuste ou contingência.
  2. Adotar industrialização de forma gradual
    Teste métodos de pré-fabricação ou módulos em projetos-piloto para medir ganhos de prazo e custo antes de escalar.
  3. Digitalizar processos operacionais
    Comece pelo básico: implantação de software de gestão de obra, uso de drones ou câmeras para controle de qualidade, integração de projeto via BIM.
  4. Diversificar fornecedores e contratos de longo prazo
    Busque fornecedores com compromissos de fornecimento estáveis ou hybridizados com estoque mínimo para evitar choque de preço/entrega no canteiro.
  5. Aproveitar as oportunidades de reforma
    No âmbito do programa Reforma Casa Brasil e demais iniciativas públicas/privadas de retrofit ou reforma, mapeie oportunidades locais, prepare portfólio simplificado para micro-obras e esteja pronto para ativar rapidamente.
  6. Capacitar pessoas e buscar atração de mão-de-obra qualificada
    Já que a escassez de mão-de-obra continua sendo um gargalo, invista em treinamento, em condições de trabalho mais atrativas e em processos que reduzam dependência de grande contingente intensivo no canteiro.
  7. Monitorar o ambiente regulatório e apoio governamental
    Esteja atento às normativas de BIM, industrialização, incentivos públicos, programas de crédito — pois mudanças podem abrir novas janelas de oportunidade ou exigir adaptação.

Conclusão

O setor da construção civil brasileiro está em meio a uma transformação forçada: os custos e o crédito não estão mais “amigáveis”, o que obriga todos os players da cadeia — de grandes incorporadoras a pequenos prestadores — a se adaptarem. Ao mesmo tempo, a demanda por moradia e reforma ainda está presente, e a adoção de tecnologias, industrialização e políticas públicas (como o Reforma Casa Brasil) oferecem vias de escape e vantagem competitiva.

Quem souber operar nesse “novo normal” — com eficiência, flexibilidade e foco em produtividade — poderá sair na frente. Já quem insistir em modelos antigos, com pouca inovação ou pouco planejamento, corre o risco de ver suas margens reduzidas ou de ficar fora da concorrência.