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Falta de trabalhadores qualificados afeta a construção civil e abre caminho para novas tecnologias

O setor de construção civil vive um problema para conseguir entregar, no prazo, o grande volume de imóveis lançados nos últimos anos no Brasil. A exemplo do que ocorreu há pouco mais de uma década, a escassez de mão de obra qualificada voltou a assombrar as construtoras, que enfrentam dificuldade para atrair jovens para os canteiros de obras. Hoje a chamada geração Z, daqueles nascidos a partir de 1995, tem pouco interesse nesse tipo de trabalho.

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A falta de profissionais qualificados atinge todas as funções, do servente de obra ao engenheiro, passando pelo pedreiro, azulejista, pintor e carpinteiro. O resultado é o aumento dos custos da folha de pagamento e que, em algum momento, é repassado para o custo dos imóveis. Em 2024, o dissídio da construção civil no Estado de São Paulo, por exemplo, teve o maior ganho real dos últimos 20 anos.

O aumento nos salários acima da inflação, que normalmente girava em torno de 0,5%, neste ano foi de 1,27%, além da correção do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de 3,18%, segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP).

Em 12 meses até maio, o Índice Nacional da Construção Civil (INCC), da Fundação Getulio Vargas (FGV), acumula alta de 4%, enquanto o custo da mão de obra, apurado pelo mesmo indicador, subiu quase o dobro (7,51%).

Para atenuar o problema, construtoras, empreiteiras e sindicatos estão investindo em treinamento. Os cursos de formação incluem desde mulheres até imigrantes que queiram entrar nesse mercado de trabalho.

Outra frente tem sido ampliar o uso de métodos industriais de construção, como madeira engenheirada, perfis de aço galvanizado (stell frame) e construção modular. Essas novas tecnologias reduzem a necessidade de trabalhadores, porque as estruturas pré-fabricadas na indústria são apenas montadas no canteiro de obra.

Embora a dificuldade de contratar trabalhadores qualificados seja um problema generalizado no setor, ele é maior, sobretudo, no segmento de edificações residenciais. Isso porque esse segmento vive um aquecimento pelo programa habitacional Minha casa Minha Vida, e de obras de infraestrutura, aceleradas pelo ano eleitoral, observa a economista Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos de Construção do Instituto Brasileiro de Economia da a FGV, com base nos resultados da sondagem da construção.

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Em maio, 37,8% das companhias consultadas pela sondagem apontaram a escassez de mão de obra para serviços de acabamento como o principal obstáculo à melhoria dos negócios. “Foi o primeiro lugar disparado, mostrando que há uma questão aí.”

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que mede o emprego com carteira assinada, revelam que o saldo líquido de contratações na construção entre janeiro e abril deste ano foi 16% maior ante o mesmo período de 2023.

E a perspectiva é que o emprego continue pressionado. Devido ao crescimento da demanda residencial, especialmente de imóveis do Minha Casa Minha Vida, a tendência de contratação manifestada pelas empresas e captada pela sondagem é de alta. A tragédia do Rio Grande do Sul, que vai ampliar a demanda por trabalhadores para a reconstrução do Estado, deve ser um fator adicional de pressão por mão de obra a médio prazo, observa Ana Maria.

Por ora, o que se vê é uma corrida das empreiteiras para disputar e reter trabalhadores. Antonio de Sousa Ramalho, presidente do Sintracon-SP, afirma que um expediente antigo das empresas de contratar os trabalhadores por tarefa aumentou muito no último ano.

Nessa modalidade, os operários com registro em carteira que trabalham, em média, 8 horas diárias, com todos os encargos, têm uma jornada de 14 horas. Eles recebem o adicional de produtividade por fora, sem incidência de FGTS, férias e 13º salário, por exemplo.

“Com isso, tem carpinteiro que ganha até R$ 22 mil”, diz Ramalho, quase nove vezes o piso da categoria (R$ 2.513). Na média, para todas as funções do setor, ele diz que a contratação por tarefa amplia em quase cinco vezes, de R$ 2,5 mil para R$ 12 mil, o rendimento dos trabalhadores.

Guerra por mão de obra

O esforço de pagar mais é porque existe uma disputa entre as empresas. “Há uma guerra para tirar mão de obra de outra empresa, do servente ao engenheiro”, conta Felipe Mellazzo, presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) de Goiás, cuja capital vive um boom imobiliário de empreendimentos de alto padrão.

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Em parceria com o Ministério Público do Trabalho, federação das indústrias do Estado, Sinduscon e Secovi locais, a associação treina mais de 2 mil mulheres para trabalhar no canteiro de obras como assentadoras de cerâmica, pintoras e rejuntadoras.

Junto com o Senai e Sebrae, o Sintracon-SP tem formado mensalmente 350 profissionais para construção civil e, mesmo assim, a oferta é insuficiente.

Ramalho conta que outra alternativa tem sido recrutar imigrantes, especialmente haitianos e venezuelanos. Nas suas contas, os estrangeiros representam mais de 10% do ocupados no setor em São Paulo. “Eles estão tomando o espaço dos migrantes vindos do Nordeste”, compara.

Um desses trabalhadores é o haitiano Seradieu Belizaire, de 48 anos. Com ensino fundamental completo, ele era operador de guindastes na construção civil quando vivia na República Dominicana, antes de migrar para o Brasil em 2014. Chegou aqui sozinho e seu primeiro trabalho foi como cuidador de pessoas autistas.

Em 2016, conseguiu se empregar na construção civil, como ajudante por um salário de R$ 1.600. Trabalhando sempre na mesma empresa especializada em reformas, de lá para cá, sua renda aumentou. Hoje ganha quase R$ 3 mil e é uma espécie de “faz tudo”: é pedreiro, pintor e também assenta cerâmica.

Belizaire já conseguiu trazer quase toda família do Haiti para o Brasil, onde ele preside uma igreja evangélica. “Na minha igreja, em Francisco Morato, todos os haitianos trabalham na construção.”

Industrialização da construção

A médio prazo, a saída para resolver o problema de falta de mão de obra qualificada na construção civil é aumentar a produtividade por meio da maior industrialização do processo de construção, afirma a economista Ana Maria Castelo.

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David Fratel, membro do Comitê de Tecnologia e Qualidade do Sinduscon- SP e diretor do Grupo Kallas, concorda. “Aumentar salário não resolve o problema, o que resolve é aumentar a produtividade, reduzindo a dependência da mão de obra”, afirma.

É neste ponto que entram novas tecnologias de construção. Nas contas de Fratel, a industrialização, isto é o uso de novas tecnologias de construção, aumentou 30% nas obras nos últimos cinco anos, mas ele frisa que é preciso avançar mais.

Ana Maria, da FGV, ressalta que a industrialização não está relacionada apenas com a falta de mão de obra, mas também com a agenda de sustentabilidade e de descarbonização da atividade, que vem ganhando força.

A construtora Libercon, por exemplo, forte em empreendimentos comerciais e de logística na Região Metropolitana de São Paulo, registrou aumento de 20% no uso de novas tecnologias de construção em edificações comerciais e residenciais, excluindo o segmento logística, onde essas técnicas já estão presentes.

Hailton Liberatore, sócio-diretor da construtora, diz que a escassez de mão de obra qualificada e o aumento dos custos com salários está viabilizando a industrialização da construção. “A falta de mão de obra está puxando para novas tecnologias, algumas não tão novas, mas que não tinham adesão pelo custo”, argumenta. Ele ressalta que agora “o jogo começa a ficar mais equilibrado”.

O empresário conta que a construtora está usando muito stell frame e madeira engenheirada em suas obras. A madeira engenheirada é uma técnica que cola as fibras em alguns sentidos, aumentando a capacidade estrutural da madeira.

Atualmente, a empresa está usando essa técnica nas obras de ampliação do Colégio Santa Cruz, em São Paulo, em uma área construída de 3.470 metros quadrados. Também emprega madeira engenheirada na construção de um edifício de sete andares próximo à avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo.

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Os motivos do uso dessa tecnologia foram a falta de mão de obra, o cumprimento de prazos de entrega e o apelo à sustentabilidade. “Tem uma pegada ecológica, essas construções emitem menos carbono”, diz Liberatore.

Filhos não seguem a profissão dos pais

A grande dificuldade apontada pelos especialistas para oxigenar o mercado de trabalho da construção civil é atrair as novas gerações. São os jovens nascidos a partir de 1995- a geração Z- que hoje estão na faixa de 30 anos, observa Fratel, do Sinduscon-SP.

“Filho de pedreiro não que ser pedreiro, ir para obra tomar chuva e sol”, concorda Liberatore. Ele argumenta que a mão de obra migrou para outros setores, como logística, transporte por meio de Uber e entregas. Com isso, não há reposição de trabalhadores no setor.

Recente pesquisa feita pela Autodoc GDA e o Sinduscon, entre janeiro de 2016 e abril deste ano, mostra o envelhecimento dos trabalhadores da construção civil.

O levantamento realizado nas catracas de acesso às obras em 22 estados brasileiros, mostra que a idade média dos operários aumentou de 38 anos em 2016 para 41 anos em 2024.

“Não estão entrado jovens na base pirâmide, que é a força de trabalho da construção civil”, diz Fratel, do Sinduscon-SP. As implicações desse envelhecimento são a escassez paulatina da mão de obra e perda de produtividade.

No curto prazo, a escassez de mão de obra qualificada deve pressionar custos e preços do metro quadrado. “As empresas do Minha Casa Minha Vida são as mais otimistas com a demanda e esse mercado pode sofrer mais, porque tem limitação no valor máximo do imóvel”, afirma, Ana Maria Castelo, da FGV.

Fonte: Estadão